Que tempos são estes?

De tempos em tempos, vejo circular entre as pessoas que fazem parte da minha bolha nas redes sociais a sempre conveniente pergunta retórica, atribuída ao dramaturgo alemão Bertold Brecht, um dos maiores escritores do século XX: “que tempos são estes em que temos que defender o óbvio?”.

         Para ficar apenas no campo da política, que é uma área, quer queiramos ou não, extremamente importante para nossa vida, os acontecimentos dos últimos tempos têm levado aqueles que se interessam pelo assunto a levantar várias reflexões, possibilitando demoradas discussões, ainda que através de uma tela. E mesmo os que dizem não gostar de política, creio que fiquem pensativos sobre os inúmeros fatos que repercutem a cada semana.

Vivemos em tempos tão surreais que muitas vezes tendemos a nos acostumar com certos absurdos. E cada notícia que envolve direta ou indiretamente o Presidente da República e seus filhos parece não gerar mais tanto espanto, por termos criado uma noção coletiva de que os ditos cujos são mesmo sem noção. E assistimos todos os dias, em meio aos laranjais da política brasileira, as relações milicianas, nada republicanas; E entre tantos imbróglios, muitos brasileiros, até mesmo, chegam a ter plena convicção de que a família Bolsonaro é criminosa. No entanto, não há provas e, como bem sabemos, as convicções só servem para incriminar certos membros barbudos da esquerda.

         Como exemplo dos absurdos mencionados, podemos lembrar dos autoexílios que têm ocorrido neste início de 2019. Primeiro foi o Deputado Jean Wyllys, que, no final de janeiro, abriu mão do terceiro mandato de deputado federal para o qual foi eleito, para ir embora do Brasil, por ser ameaçado de morte com certa frequência; depois, em 11 de março, a filósofa e candidata à prefeitura do Rio de Janeiro em 2018 pelo PT, Márcia Tiburi, anunciou que deixaria o país, também após sofrer ameaças. Quatro dias mais à frente, o escritor Anderson França anunciou sua saída do Brasil, por motivo semelhante e, por último, em 18 de março, foi a vez do professor Pedro Mara anunciar que deixaria o Rio, após receber a informação de que teve sua vida pesquisada por Ronnie Lessa, aquele vizinho de Bolsonaro acusado de assassinar Marielle Franco.

         Em relação a esses exílios, alguns setores da direita chegaram a minimizá-los, ou relativizá-los, dizendo que são exagerados; outras pessoas, como o próprio Presidente (que, em sua postura, mais parece um adolescente de 13 anos) chegou a comemorar, por exemplo, a saída de Jean, seu desafeto político. Mas o que devemos observar, com preocupação, é que estamos no limite e é um óbvio ululante que devamos prezar pela integridade, inclusive, dos nossos adversários políticos. É inadmissível, também, o episódio da facada a Bolsonaro durante a campanha. Sejamos minimamente sensatos.

         Estamos vivendo um período de grande escalada da violência, sobretudo da violência política. Marielle foi brutalmente assassinada; Marcelo Freixo também sofre, há muito tempo, ameaças de morte e em dezembro de 2018 a polícia desarticulou um plano em que milicianos estavam prestes a assassiná-lo. Nesse contexto, qualquer ameaça deve ser levada a sério e investigada com rigor.

         O fato é que, como diz uma frase memorável, também atribuída a Brecht: “a cadela do fascismo está sempre no cio”. Marcia Tiburi escreveu, em 2015, um livro intitulado “Como Conversar com um Fascista”, obra que traz um título polêmico, mas que carrega certo grau de ironia. O fato é que alguns engraçadinhos de internet chegaram a afirmar que a autora escreveu o livro, mas não quis dialogar com os tais fascistas. Na verdade, como determina uma outra frase que circula com frequência na minha bolha virtual, e, desta vez, não faço ideia de quem seja o autor: “o fascismo não se discute, se destrói”. É a mais pura verdade.

Bertold Brecht vivenciou a crise alemã após a Primeira Guerra Mundial, presenciou a ascensão do regime nazista de Hitler, exilou-se e, em sua obra, deixou-nos tantas reflexões. Hoje, quase um século depois, vivemos, em certa medida, os mesmos desafios, os mesmos dramas, os mesmos medos e, invariavelmente, temos que continuar a defender o óbvio.


https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2018/12/13/policia-civil-investiga-plano-para-matar-deputado-marcelo-freixo.ghtml

https://extra.globo.com/casos-de-policia/apos-ser-pesquisado-por-acusado-de-matar-marielle-professor-deixa-rio-estou-absolutamente-triste-23530501.html?utm_source=WhatsApp&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar&fbclid=IwAR0ZNGMYGKrhPCh0Q0seG3sUXqBEtkmpeScj_MaA_hTj1iSZ-56prIKYf5Y

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/24/politica/1548364530_154799.html

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/03/nao-lembro-desse-cara-diz-bolsonaro-sobre-vizinho-suspeito-de-matar-marielle.shtml

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2019/02/os-afetos-e-o-desabafo-de-anderson-franca-apos-deixar-o-pais-devido-a-ameacas-de-morte-cjs50ftkm01cb01mr72lcspx9.html

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