Você precisa de alguém que te dê segurança

A música “segurança”, de 1986, da banda gaúcha Engenheiros do Havaii traz um cenário em que uma pessoa (provavelmente uma garota) se apaixona por um rapaz rico, cheio de estilo, “cheio de moral”. A letra sugere, ainda, que a garota seria insegura e precisaria de alguém que lhe desse segurança.

A palavra “segurança” pode ser usada em diversos contextos, já que muitos são os significados desse termo. De maneira mais objetiva, o dicionário Michaelis On-Line elenca, além de algumas expressões idiomáticas relacionadas ao conceito, onze significados para o verbete “segurança”, dentre eles: “condição marcada por uma sensação de paz e tranquilidade” e “condição ou estado do que está livre de danos ou riscos”.

Na década de 1940 o psicólogo norte-americano Abraham Maslow (1908-1970) desenvolveu sua conhecida Teoria da Hierarquia das Necessidades, onde cita cinco necessidades próprias aos seres humanos, intrinsecamente relacionadas à motivação. Nessa teoria a necessidade de segurança está no segundo nível de prioridade, perdendo apenas para as necessidades fisiológicas (necessidades do corpo, como água e comida e sono). Para o autor, a necessidade de segurança compreende a busca por estabilidade, mas essa necessidade pode funcionar como um fator dominante mobilizador em situações de emergência como, por exemplo, na escalada da violência, como vemos atualmente em nossa realidade.

Maslow exemplifica que diante do medo e das adversidades enfrentadas no dia a dia, alguns adultos acabam se comportando como uma criança com medo, reagindo, muitas vezes, de maneira impensada. Nesse sentido, nas palavras do autor, em seu artigo de 1943, intitulado A Theory of Human Motivation: a necessidade de proteção e o desespero causado por ela pode fazer com que muitas pessoas busquem alguém que considerem forte, alguém de quem possam depender ou, talvez, um fuhrer.

Nesse mesmo sentido, a música dos Engenheiros, composta por Humberto Gessinger, tem um refrão de melodia memorável e que, de certo modo, “rima” com a teoria de Maslow. Essas duas referências nos fazem lembrar da atual situação da sociedade brasileira que, cansada de tanta criminalidade, clama por quaisquer saídas que possam lhe dar segurança. Nesse desespero, os cidadãos, na condição de eleitores, têm apresentado nas últimas eleições uma tendência a votarem em candidatos que prometem (muitas vezes, sabendo que não podem cumprir) acabar com a violência e promover mais segurança.

         E muitos políticos surfam na onda de medo que assola o país e ganham popularidade (e votos) a partir de seu discurso inflamado, prometendo fórmulas simplistas e soluções fáceis, afirmando, por exemplo, que “bandido bom é bandido morto”, que o Brasil necessita de “leis mais duras”, que é preciso aumentar a repressão… E assim vai crescendo a cada pleito a famigerada “Bancada da Bala”, no Congresso Federal.

Para se ter uma ideia, podemos analisar a situação do Estado do Ceará onde, em 2014, os deputados estadual e federal mais votados foram Moroni Torgan (DEM) e Capitão Wagner (PR), respectivamente, ambos com o explícito apelo em relação à segurança. Em 2018, por sua vez, o deputado federal mais votado foi Capitão Wagner (desta vez, pelo PROS) enquanto o estadual foi André Fernandes (PSL), este que, mesmo não tendo a segurança como pauta exclusiva, faz parte de um partido que traz essa bandeira de forma explícita e que aumentou a bancada de deputados de maneira meteórica, à sombra da figura de Jair Bolsonaro.

Ainda a título de exemplo, não podemos deixar de citar a própria eleição de Bolsonaro para presidente da república. O resultado da eleição traz vários pontos de análise possíveis, mas, dentre tantas outras questões polêmicas, fica claro que o discurso belicoso e armamentista foi um forte aliado do presidente eleito durante a corrida eleitoral.

É necessário, contudo, travar um debate mais profundo acerca do tema da violência, pois não se resolve o problema da criminalidade apenas com policiamento e muito menos incentivando as pessoas a terem armas. Além do mais, é inequívoco que o policial deve ser melhor remunerado, melhor treinado e mais valorizado. Sem dúvidas. No entanto, investir apenas em aparato policial para combater questões complexas que desencadeiam violência pode ser tão eficiente como enxugar gelo, pois muitas vezes não se busca resolver os problemas em sua raiz, de maneira realmente eficaz, mas apenas contornar seus efeitos.

É preciso segurança. Nisso creio que eu, você, Gessinger e Maslow sejamos unânimes. Entretanto, os políticos (e, antes deles, a população que os elege) precisam compreender que para termos um país mais pacífico é necessário realizar um alto investimento em educação, arte, cultura e desporto, em opções de trabalho e renda e em perspectivas de vida digna, sobretudo para os jovens. Enquanto isso não acontecer, seguindo o refrão da música, todos “dançaremos”.


https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/09/eleicoes-2018-bancada-da-bala-senado-major-olimpio-bolsonaro.htm

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43071854

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